sábado, 21 de junho de 2008

SOBRE "O GUESA ERRANTE"

DIÁRIO DE BORDO – EVENTOS ESPECIAIS FIT BH 2008 – DIA -5, 21 DE JUNHO DE 2008

QUESTÕES PARA UM POSSÍVEL DEBATE SOBRE “O GUESA ERRANTE”

Marcelo Castilho Avellar

O próprio Antônio Hildebrando, responsável pelo espetáculo apresentado pelos alunos da UFMG na noite de ontem, fala de seu interesse em mostrar ao espectador as coxias – que, segundo ele, seriam tão interessantes quanto a própria apresentação. “O guesa” é um daqueles espetáculos que convivem com esta contradição: ficam o tempo todo lembrando o público de sua teatralidade mas têm medo de mostrar o que têm de mais teatral, sua própria mecânica.

No topo da lista das convenções impostas pela tradição que a contemporaneidade não consegue afastar (talvez por nem ao menos percebê-las) está, possivelmente, a apoteose. Podem contar nos dedos a quantos espetáculos de teatro, dança, circo ou ópera que já assistiram e não têm, no final, alguma apoteose, seja a cena grandiosa com todo o elenco, seja a passagem dramática que alcança as alturas do sublime. É raríssimo o espetáculo que, parodiando Conrad, termina com um sussurro, e não uma explosão. O guesa errante não foge à regra. Mas considerando seu conteúdo político, há algo a ser pensado sobre esta apoteose em particular. É que seu tom carnavalesco produz uma catarse na platéia. E catarses sempre representam o risco de que o público, inconscientemente, considere já ter realizado sua parte na transformação proposta por qualquer espetáculo de caráter político – ou seja, o conteúdo crítico se dilui no entretenimento.

O repertório de linguagens escolhido pelos criadores de O guesa errante apóia-se, acima de tudo, em estruturas de paráfrase e paródia. A paráfrase diverte, chega a empolgar o público. Mas pode ser na paródia, que não imita mas cria algo novo a partir de algo conhecido, que mora a poesia. Bom exemplo disso fica na “escola de samba” que o espetáculo coloca em cena. Enquanto ela se parece com uma escola de samba, é fonte de humor, levanta a platéia (como seu modelo levantaria a arquibancada). Mas no final, quando entra o ator vestido de gari, o que encontramos é surpresa, estranhamento, possibilidade de olhar de um jeito completamente novo para algo que pensávamos conhecer.

O guesa errante, ao construir partes de sua paródia sobre a representação de grupos étnicos, culturais ou nacionais, realiza jogo perigoso. Sua platéia “primária”, formada por um público mais intelectualizado, ri porque percebe que o espetáculo critica os estereótipos que apresenta. Como teatro não vem com nota de pé de página, há sempre a possibilidade de que um público mais inocente receba aquilo como um reforço do próprio estereótipo. E ria dele como ri sempre que encontra o estereótipo em sua versão mais preconceituosa – ou seja, O guesa errante, de espetáculo crítico, pode se tornar discurso politicamente incorreto se apresentado sem a devida contextualização.

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