terça-feira, 24 de junho de 2008

DIÁRIO DE BORDO - EVENTOS ESPECIAIS FIT BH 2008

DIA -2, 24 DE JUNHO DE 2008

QUESTÕES PARA UM DEBATE SOBRE DEPOIMENTOS ÀS TERRAS DO BRASIL

Marcelo Castilho Avellar

Os documentos históricos em que Depoimentos às terras do Brasil, apresentada no projeto Oficina da Cena pela delegação da Unirio, se baseia, são escritos em português arcaico. Uma das gratas surpresas do espetáculo é a naturalidade com que seu elenco parece enfrentar a tarefa, como se houvessem passado a vida inteira usando palavras e expressões como aquelas. Seria bom se outros elencos conversassem com o pessoal da Unirio a respeito. Afinal, é comum encontrar, em espetáculos construídos sobre textos em língua antiga, ou em versos, ou em linguagem demasiado erudita, uma falta de verdade que dói nos ouvidos.

Outra coisa a ser aprendida do espetáculo é a maneira como seu elenco trabalha a singularidade das personagens a partir da uniformidade do texto. Como ocorre ainda hoje na maioria dos países de cultura latina, nos processos da inquisição os escrivães não transcreviam diretamente a fala dos depoentes, mas sua “tradução” feita pelos juízes. Como conseqüência disso, os textos colocam palavras e expressões semelhantes na boca de pessoas de classes sociais ou origens diferentes, usam eufemismos comuns a todos os depoimentos, e assim por diante. As palavras e expressões comuns estão todas lá, mas na maneira como as dizem, os intérpretes parecem nos falar sobre a especificidade de suas criaturas – incluindo a facilidade ou dificuldade em lidar com aquela linguagem.

A apresentação de Depoimentos às terras do Brasil em Belo Horizonte não teve o espaço completamente organizado da maneira como foi descrito em sua concepção original. Aqui, pela própria natureza material dos locais que o FIT ocupa na Casa do Conde, não foi construído o anteparo que separaria a cena dos espectadores. É bom que nossos criadores cênicos aprofundem o debate sobre quanto (e o quê) de um espetáculo se perde (ou se ganha) quando é transferido de um espaço para outro, em termos de tamanho, forma, relação palco-platéia, mobiliário, equipamento. Há diversos temas que decorrem deste, como a pesquisa sobre quais seriam as estruturas mais maleáveis, mais adaptáveis a espaços distintos. A discussão é urgente no Brasil, já que nossos encenadores andam sendo bem inventivos em termos do uso de espaços não previstos para encenações, ou a subversão dos espaços construídos para elas. Minas pode dar uma contribuição significativa para o assunto, com a divulgação de experiências como a dos espetáculos da Cia. de Dança Palácio das Artes.

CONVENÇÕES QUE A CONTEMPORANEIDADE NÃO CONSEGUE DERRUBAR

Depoimentos às terras do Brasil é radical na maneira como assume, do início ao fim, a frontalidade e a imobilidade das personagens, relações com o público que constituem signos do que a própria apresentação pretende dizer ou provocar. Comporta-se de maneira menos corajosa em relação à iluminação. Se, durante a entrada do público, assume a penumbra – também metáfora da condição não apenas das personagens, mas de toda a realidade onde se movem –, ao começar a encenação propriamente dita, voltamos à luz mais clara. O conforto dos olhos do espectador continua sendo um pressuposto, mesmo quando sua ausência pode constituir signo da condição das próprias personagens.

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