QUESTÕES PARA UM DEBATE SOBRE GRITO - A VOZ QUE NÃO PASSA DA BOCA (UNIVERCIDADE)
Marcelo Castilho Avellar
Afinal de contas, nossa relação com aquela encenação específica seria muito diferente se não ficássemos andando de um lado para outro do espaço? No fim das contas, cada cena acaba conduzindo o espectador a relações palco-platéia tradicionais e estáticas, à italiana ou em semi-arena. Em compensação, Grito usa como signo a proximidade entre intérpretes e platéia, assim como a intimidade, a cumplicidade e o risco envolvidos nela. É possível que tal relação não fosse possível em espaços convencionais, em que a distância física induz a uma segurança simbólica dos espectadores. Não tem nada a ver com a encenação ser ou não ser itinerante, mas com o jogo entre o espaço virtual construído pelos intérpretes, e o espaço real dado pelo mundo físico.Os intérpretes do espetáculo trabalham naquela fronteira estreita entre o confessional e o pessoal, apta a deixar o espectador sem a certeza de assistir a um depoimento ou sua encenação. O FIT tem, eventualmente, apresentado espetáculos que percorrem esse caminho, e seria interessante confrontar as estratégias adotadas pelos diretores e intérpretes para percorrê-lo - como Não desperdice sua única vida, que o grupo mineiro Luna Lunera apresentou no festival de 2006. Grito faz uma oposta arriscada: confia numa suposta capacidade de o espectador se escandalizar. Em outras épocas, os temas que aborda e a nudez que eventualmente apresenta seriam valores estéticos em si mesmos, por estarem associados ao novo, a algo que o espectador nunca havia visto, ou via com pouca freqüência. Nos dias de hoje, quando, em tese, tudo já foi visto - principalmente pelo público de um evento como o FIT -, apenas alguma poesia pode ser capaz de substituir o escândalo.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
terça-feira, 24 de junho de 2008
DIÁRIO DE BORDO - EVENTOS ESPECIAIS FIT BH 2008
DIA -2, 24 DE JUNHO DE 2008
QUESTÕES PARA UM DEBATE SOBRE DEPOIMENTOS ÀS TERRAS DO BRASIL
Marcelo Castilho Avellar
Os documentos históricos em que Depoimentos às terras do Brasil, apresentada no projeto Oficina da Cena pela delegação da Unirio, se baseia, são escritos em português arcaico. Uma das gratas surpresas do espetáculo é a naturalidade com que seu elenco parece enfrentar a tarefa, como se houvessem passado a vida inteira usando palavras e expressões como aquelas. Seria bom se outros elencos conversassem com o pessoal da Unirio a respeito. Afinal, é comum encontrar, em espetáculos construídos sobre textos em língua antiga, ou em versos, ou em linguagem demasiado erudita, uma falta de verdade que dói nos ouvidos.
Outra coisa a ser aprendida do espetáculo é a maneira como seu elenco trabalha a singularidade das personagens a partir da uniformidade do texto. Como ocorre ainda hoje na maioria dos países de cultura latina, nos processos da inquisição os escrivães não transcreviam diretamente a fala dos depoentes, mas sua “tradução” feita pelos juízes. Como conseqüência disso, os textos colocam palavras e expressões semelhantes na boca de pessoas de classes sociais ou origens diferentes, usam eufemismos comuns a todos os depoimentos, e assim por diante. As palavras e expressões comuns estão todas lá, mas na maneira como as dizem, os intérpretes parecem nos falar sobre a especificidade de suas criaturas – incluindo a facilidade ou dificuldade em lidar com aquela linguagem.
A apresentação de Depoimentos às terras do Brasil em Belo Horizonte não teve o espaço completamente organizado da maneira como foi descrito em sua concepção original. Aqui, pela própria natureza material dos locais que o FIT ocupa na Casa do Conde, não foi construído o anteparo que separaria a cena dos espectadores. É bom que nossos criadores cênicos aprofundem o debate sobre quanto (e o quê) de um espetáculo se perde (ou se ganha) quando é transferido de um espaço para outro, em termos de tamanho, forma, relação palco-platéia, mobiliário, equipamento. Há diversos temas que decorrem deste, como a pesquisa sobre quais seriam as estruturas mais maleáveis, mais adaptáveis a espaços distintos. A discussão é urgente no Brasil, já que nossos encenadores andam sendo bem inventivos em termos do uso de espaços não previstos para encenações, ou a subversão dos espaços construídos para elas. Minas pode dar uma contribuição significativa para o assunto, com a divulgação de experiências como a dos espetáculos da Cia. de Dança Palácio das Artes.
CONVENÇÕES QUE A CONTEMPORANEIDADE NÃO CONSEGUE DERRUBAR
Depoimentos às terras do Brasil é radical na maneira como assume, do início ao fim, a frontalidade e a imobilidade das personagens, relações com o público que constituem signos do que a própria apresentação pretende dizer ou provocar. Comporta-se de maneira menos corajosa em relação à iluminação. Se, durante a entrada do público, assume a penumbra – também metáfora da condição não apenas das personagens, mas de toda a realidade onde se movem –, ao começar a encenação propriamente dita, voltamos à luz mais clara. O conforto dos olhos do espectador continua sendo um pressuposto, mesmo quando sua ausência pode constituir signo da condição das próprias personagens.
QUESTÕES PARA UM DEBATE SOBRE DEPOIMENTOS ÀS TERRAS DO BRASIL
Marcelo Castilho Avellar
Os documentos históricos em que Depoimentos às terras do Brasil, apresentada no projeto Oficina da Cena pela delegação da Unirio, se baseia, são escritos em português arcaico. Uma das gratas surpresas do espetáculo é a naturalidade com que seu elenco parece enfrentar a tarefa, como se houvessem passado a vida inteira usando palavras e expressões como aquelas. Seria bom se outros elencos conversassem com o pessoal da Unirio a respeito. Afinal, é comum encontrar, em espetáculos construídos sobre textos em língua antiga, ou em versos, ou em linguagem demasiado erudita, uma falta de verdade que dói nos ouvidos.
Outra coisa a ser aprendida do espetáculo é a maneira como seu elenco trabalha a singularidade das personagens a partir da uniformidade do texto. Como ocorre ainda hoje na maioria dos países de cultura latina, nos processos da inquisição os escrivães não transcreviam diretamente a fala dos depoentes, mas sua “tradução” feita pelos juízes. Como conseqüência disso, os textos colocam palavras e expressões semelhantes na boca de pessoas de classes sociais ou origens diferentes, usam eufemismos comuns a todos os depoimentos, e assim por diante. As palavras e expressões comuns estão todas lá, mas na maneira como as dizem, os intérpretes parecem nos falar sobre a especificidade de suas criaturas – incluindo a facilidade ou dificuldade em lidar com aquela linguagem.
A apresentação de Depoimentos às terras do Brasil em Belo Horizonte não teve o espaço completamente organizado da maneira como foi descrito em sua concepção original. Aqui, pela própria natureza material dos locais que o FIT ocupa na Casa do Conde, não foi construído o anteparo que separaria a cena dos espectadores. É bom que nossos criadores cênicos aprofundem o debate sobre quanto (e o quê) de um espetáculo se perde (ou se ganha) quando é transferido de um espaço para outro, em termos de tamanho, forma, relação palco-platéia, mobiliário, equipamento. Há diversos temas que decorrem deste, como a pesquisa sobre quais seriam as estruturas mais maleáveis, mais adaptáveis a espaços distintos. A discussão é urgente no Brasil, já que nossos encenadores andam sendo bem inventivos em termos do uso de espaços não previstos para encenações, ou a subversão dos espaços construídos para elas. Minas pode dar uma contribuição significativa para o assunto, com a divulgação de experiências como a dos espetáculos da Cia. de Dança Palácio das Artes.
CONVENÇÕES QUE A CONTEMPORANEIDADE NÃO CONSEGUE DERRUBAR
Depoimentos às terras do Brasil é radical na maneira como assume, do início ao fim, a frontalidade e a imobilidade das personagens, relações com o público que constituem signos do que a própria apresentação pretende dizer ou provocar. Comporta-se de maneira menos corajosa em relação à iluminação. Se, durante a entrada do público, assume a penumbra – também metáfora da condição não apenas das personagens, mas de toda a realidade onde se movem –, ao começar a encenação propriamente dita, voltamos à luz mais clara. O conforto dos olhos do espectador continua sendo um pressuposto, mesmo quando sua ausência pode constituir signo da condição das próprias personagens.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
DIÁRIO DE BORDO - EVENTOS ESPECIAIS FIT-BH/2008
DIA -3, 23 DE JUNHO DE 2008
Marcelo Castilho Avellar
QUESTÕES PARA UM POSSÍVEL DEBATE SOBRE Quatro, Girakandombe e Vai fazer o quê?.
Houve um tempo em que os cursos superiores de dança brasileiros ocupavam a dianteira no que se refere à pesquisa de ponta, em termos de novas linguagens, nesta arte. Mesmo sendo uma amostragem pequena (os cursos proliferaram nos últimos tempos), os três espetáculos parecem mostrar que aquela posição foi perdida - a primazia, hoje, fica com artistas independentes ou pequenos grupos de pesquisadores que, freqüentemente, são financiados por programas públicos ou privados de fomento à pesquisa em arte. À primeira vista, tal informação parece representar um retrocesso. É possível, contudo, encará-la de outro ângulo: se a comunidade de dança está sendo capaz de conduzir, com competência, a pesquisa em certos campos, a universidade pode se dedicar a outros, não tão prestigiados pelo patrocínio.Os espetáculos, criados na Unicamp e UFRJ são representativos da idéia de que o produto artístico reflete, antes de tudo, as singularidades de seu processo de criação. A fala de Daniela Gatti, da Unicamp, por exemplo, privilegiou a idéia de integração de disciplinas como um dos fundamentos de Quatro. Patrícia Gomes Pereira mencionou o fato de que os cursos artísticos da UFRJ tiveram participação ativa na elaboração de Girakandombe e Vai fazer o quê?. Sintomaticamente, quase salta aos olhos do espectador, em Quatro, a idéia de "linguagens de corpo", enquanto as produções da UFRJ falam, nitidamente, em "linguagens de espetáculo". Ambas nos remetem à dança, mas por portas distintas.DA SÉRIE "ALGUMAS AUSÊNCIAS NOTÁVEIS"Não teria sido adequado haver pelo menos um crítico de dança na mesa que tratou da crítica na atualidade?Claro que a idéia da Oficina da Cena foi checar as relações entre ensino superior de artes e produção artística. Mas volta e meia, nos debates do evento, alguém lembra que para obter um panorama mais completo (ensino, em qualquer nível, e arte), seria útil promover encontro análogo com as escolas profissionalizantes e os cursos livres de artes cênicas.DA SÉRIE "LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER"Na mesa da Oficina da Cena sobre crítica, Valmir Santos descreve o que considera ser a política de "O Globo" (e da Globo) sobre teatro: privilegiar os espetáculos produzidos com profissionais ligados ao próprio grupo, e dar, com menos destaque, um ou outro espetáculo criado por alguém de fora da "tchurma". O crítico se pergunta, também, se mais cedo ou mais tarde a toda-poderosa emissora do Jardim Botânico, que já tem entre suas parentes a Globo Filmes, não vai criar também a Globo Teatro.Valmir não menciona, mas há precedentes poderosos para seu raciocínio. Hollywood muito cedo percebeu que, ao lado de suas produções que davam lucro, precisava apoiar umas poucas, que não se pagavam, mas ganhavam grande espaço na imprensa, legitimavam o cinema como "arte". Nos últimos anos, os estúdios e distribuidoras americanos aperfeiçoaram ainda mais o processo: os grandes conglomerados do cinema têm subsidiárias para estes filmes "de arte", como Paramount Vantage ou Fox Searchlights, que ao mesmo tempo afirmam as marcas das empresas-mãe e nos lembram de como estão mais preocupadas com a arte que com os negócios.
Marcelo Castilho Avellar
QUESTÕES PARA UM POSSÍVEL DEBATE SOBRE Quatro, Girakandombe e Vai fazer o quê?.
Houve um tempo em que os cursos superiores de dança brasileiros ocupavam a dianteira no que se refere à pesquisa de ponta, em termos de novas linguagens, nesta arte. Mesmo sendo uma amostragem pequena (os cursos proliferaram nos últimos tempos), os três espetáculos parecem mostrar que aquela posição foi perdida - a primazia, hoje, fica com artistas independentes ou pequenos grupos de pesquisadores que, freqüentemente, são financiados por programas públicos ou privados de fomento à pesquisa em arte. À primeira vista, tal informação parece representar um retrocesso. É possível, contudo, encará-la de outro ângulo: se a comunidade de dança está sendo capaz de conduzir, com competência, a pesquisa em certos campos, a universidade pode se dedicar a outros, não tão prestigiados pelo patrocínio.Os espetáculos, criados na Unicamp e UFRJ são representativos da idéia de que o produto artístico reflete, antes de tudo, as singularidades de seu processo de criação. A fala de Daniela Gatti, da Unicamp, por exemplo, privilegiou a idéia de integração de disciplinas como um dos fundamentos de Quatro. Patrícia Gomes Pereira mencionou o fato de que os cursos artísticos da UFRJ tiveram participação ativa na elaboração de Girakandombe e Vai fazer o quê?. Sintomaticamente, quase salta aos olhos do espectador, em Quatro, a idéia de "linguagens de corpo", enquanto as produções da UFRJ falam, nitidamente, em "linguagens de espetáculo". Ambas nos remetem à dança, mas por portas distintas.DA SÉRIE "ALGUMAS AUSÊNCIAS NOTÁVEIS"Não teria sido adequado haver pelo menos um crítico de dança na mesa que tratou da crítica na atualidade?Claro que a idéia da Oficina da Cena foi checar as relações entre ensino superior de artes e produção artística. Mas volta e meia, nos debates do evento, alguém lembra que para obter um panorama mais completo (ensino, em qualquer nível, e arte), seria útil promover encontro análogo com as escolas profissionalizantes e os cursos livres de artes cênicas.DA SÉRIE "LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER"Na mesa da Oficina da Cena sobre crítica, Valmir Santos descreve o que considera ser a política de "O Globo" (e da Globo) sobre teatro: privilegiar os espetáculos produzidos com profissionais ligados ao próprio grupo, e dar, com menos destaque, um ou outro espetáculo criado por alguém de fora da "tchurma". O crítico se pergunta, também, se mais cedo ou mais tarde a toda-poderosa emissora do Jardim Botânico, que já tem entre suas parentes a Globo Filmes, não vai criar também a Globo Teatro.Valmir não menciona, mas há precedentes poderosos para seu raciocínio. Hollywood muito cedo percebeu que, ao lado de suas produções que davam lucro, precisava apoiar umas poucas, que não se pagavam, mas ganhavam grande espaço na imprensa, legitimavam o cinema como "arte". Nos últimos anos, os estúdios e distribuidoras americanos aperfeiçoaram ainda mais o processo: os grandes conglomerados do cinema têm subsidiárias para estes filmes "de arte", como Paramount Vantage ou Fox Searchlights, que ao mesmo tempo afirmam as marcas das empresas-mãe e nos lembram de como estão mais preocupadas com a arte que com os negócios.
DIÁRIO DE BORDO - EVENTOS ESPECIAIS FIT-BH/2008
DIA -4, 22 DE JUNHO DE 2008
ALGUMAS AUSÊNCIAS NOTÁVEIS
Marcelo Castilho Avellar
É incômoda a quase ausência dos alunos e professores de cursos de teatro e dança em Belo Horizonte nos debates da Oficina da Cena – e, em menor grau, aos espetáculos que integram a programação do evento.
Hipótese número 1 sobre este vazio: os professores ainda não aprenderam que a participação em um tipo de atividade como esta é tão ou mais valiosa para a formação da garotada quanto as aulas que eles teriam no período.
Hipótese número 2: os alunos dos cursos formais, ou dos cursos livres com estruturas formais, comportam-se exatamente como torcedores de esportes ou alunos de academias de dança, só saem de casa para ver seu time jogar ou seus colegas se apresentarem.
Hipótese número 3: não estamos sendo capazes de estimular nossos aprendizes a investigarem o mundo por sua própria conta e risco, ou temos medo de que eles descubram que muita gente discorda daquilo que foi assumido como verdade na sala de aula.
Na mesa sobre processos criativos nos cursos superiores de teatro e dança, a expressão “pesquisa de campo”, bem comum na boca de professores universitários que lecionam em áreas práticas, não apareceu uma única vez. Se a pesquisa de campo foi usada em algum dos processos (pelo menos dois deles praticamente convidavam a ela), os debatedores não consideraram importante mencioná-la.
O fato é que boa parte de nós, artistas contemporâneos, considera o estúdio, a sala de aula ou o palco seu espaço primário de trabalho. Não visitamos os vizinhos nas ruas ou em seu habitat com a freqüência que deveríamos – e depois ficamos surpresos que eles também não nos visitam – como é fácil concluir da baixa bilheteria da maior parte dos espetáculos.
LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER
As boas escolas de música sempre têm orquestras de câmera, que permitem aos alunos a prática de orquestra ao longo de todo o curso. A da UFMG, por exemplo, inclui alunos, professores e técnicos – os últimos também tornam possíveis as aulas de música de câmara. O que isto tem a ver com os debates da Oficina da Cena? Foram freqüentes, ao longo do evento, as reclamações sobre as dificuldades encontradas para formar os elencos nos próprios cursos. Patrícia Gomes Pereira, da UFRJ, por exemplo, disse que a instituição mantém uma companhia de dança contemporânea, mas como é formada apenas por alunos, seus integrantes, quando começam a atingir a maturidade artística, estão se formando e são obrigados a se afastar do grupo. Bartira Silva Fortes, diretora do trabalho da UFOP que se apresenta no evento, falou da dificuldade que os alunos de direção naquela universidade têm para montar elencos. Se as universidades mantivessem , para o ensino de teatro e dança, estruturas semelhantes à da Escola de Música da UFMG, essa conversa simplesmente não existiria.
Há uma ironia trágica no último depoimento. Quando foi elaborado o projeto para os cursos de teatro da UFOP, havia, na instituição, um curso de formação de atores, livre mas com longa duração e estrutura profissionalizante. O projeto localizava, naquele curso, espaço privilegiado para a prática orientada tanto dos alunos da Licenciatura em Artes Cênicas quanto do Bacharelado em direção. O problema é que os mestres e doutores brasileiros geralmente estão demasiadamente preocupados com suas pesquisas importantíssimas, e o curso de formação foi sendo esvaziado.
Por falar nisso, como é a relação entre os “colégios técnicos” de teatro e os cursos superiores das universidades que os mantêm – o TU da UFMG ou a EAD na USP, por exemplo?
ALGUMAS AUSÊNCIAS NOTÁVEIS
Marcelo Castilho Avellar
É incômoda a quase ausência dos alunos e professores de cursos de teatro e dança em Belo Horizonte nos debates da Oficina da Cena – e, em menor grau, aos espetáculos que integram a programação do evento.
Hipótese número 1 sobre este vazio: os professores ainda não aprenderam que a participação em um tipo de atividade como esta é tão ou mais valiosa para a formação da garotada quanto as aulas que eles teriam no período.
Hipótese número 2: os alunos dos cursos formais, ou dos cursos livres com estruturas formais, comportam-se exatamente como torcedores de esportes ou alunos de academias de dança, só saem de casa para ver seu time jogar ou seus colegas se apresentarem.
Hipótese número 3: não estamos sendo capazes de estimular nossos aprendizes a investigarem o mundo por sua própria conta e risco, ou temos medo de que eles descubram que muita gente discorda daquilo que foi assumido como verdade na sala de aula.
Na mesa sobre processos criativos nos cursos superiores de teatro e dança, a expressão “pesquisa de campo”, bem comum na boca de professores universitários que lecionam em áreas práticas, não apareceu uma única vez. Se a pesquisa de campo foi usada em algum dos processos (pelo menos dois deles praticamente convidavam a ela), os debatedores não consideraram importante mencioná-la.
O fato é que boa parte de nós, artistas contemporâneos, considera o estúdio, a sala de aula ou o palco seu espaço primário de trabalho. Não visitamos os vizinhos nas ruas ou em seu habitat com a freqüência que deveríamos – e depois ficamos surpresos que eles também não nos visitam – como é fácil concluir da baixa bilheteria da maior parte dos espetáculos.
LIÇÕES PARA NÃO ESQUECER
As boas escolas de música sempre têm orquestras de câmera, que permitem aos alunos a prática de orquestra ao longo de todo o curso. A da UFMG, por exemplo, inclui alunos, professores e técnicos – os últimos também tornam possíveis as aulas de música de câmara. O que isto tem a ver com os debates da Oficina da Cena? Foram freqüentes, ao longo do evento, as reclamações sobre as dificuldades encontradas para formar os elencos nos próprios cursos. Patrícia Gomes Pereira, da UFRJ, por exemplo, disse que a instituição mantém uma companhia de dança contemporânea, mas como é formada apenas por alunos, seus integrantes, quando começam a atingir a maturidade artística, estão se formando e são obrigados a se afastar do grupo. Bartira Silva Fortes, diretora do trabalho da UFOP que se apresenta no evento, falou da dificuldade que os alunos de direção naquela universidade têm para montar elencos. Se as universidades mantivessem , para o ensino de teatro e dança, estruturas semelhantes à da Escola de Música da UFMG, essa conversa simplesmente não existiria.
Há uma ironia trágica no último depoimento. Quando foi elaborado o projeto para os cursos de teatro da UFOP, havia, na instituição, um curso de formação de atores, livre mas com longa duração e estrutura profissionalizante. O projeto localizava, naquele curso, espaço privilegiado para a prática orientada tanto dos alunos da Licenciatura em Artes Cênicas quanto do Bacharelado em direção. O problema é que os mestres e doutores brasileiros geralmente estão demasiadamente preocupados com suas pesquisas importantíssimas, e o curso de formação foi sendo esvaziado.
Por falar nisso, como é a relação entre os “colégios técnicos” de teatro e os cursos superiores das universidades que os mantêm – o TU da UFMG ou a EAD na USP, por exemplo?
sábado, 21 de junho de 2008
SOBRE "O GUESA ERRANTE"
DIÁRIO DE BORDO – EVENTOS ESPECIAIS FIT BH 2008 – DIA -5, 21 DE JUNHO DE 2008
QUESTÕES PARA UM POSSÍVEL DEBATE SOBRE “O GUESA ERRANTE”
Marcelo Castilho Avellar
O próprio Antônio Hildebrando, responsável pelo espetáculo apresentado pelos alunos da UFMG na noite de ontem, fala de seu interesse em mostrar ao espectador as coxias – que, segundo ele, seriam tão interessantes quanto a própria apresentação. “O guesa” é um daqueles espetáculos que convivem com esta contradição: ficam o tempo todo lembrando o público de sua teatralidade mas têm medo de mostrar o que têm de mais teatral, sua própria mecânica.
No topo da lista das convenções impostas pela tradição que a contemporaneidade não consegue afastar (talvez por nem ao menos percebê-las) está, possivelmente, a apoteose. Podem contar nos dedos a quantos espetáculos de teatro, dança, circo ou ópera que já assistiram e não têm, no final, alguma apoteose, seja a cena grandiosa com todo o elenco, seja a passagem dramática que alcança as alturas do sublime. É raríssimo o espetáculo que, parodiando Conrad, termina com um sussurro, e não uma explosão. O guesa errante não foge à regra. Mas considerando seu conteúdo político, há algo a ser pensado sobre esta apoteose em particular. É que seu tom carnavalesco produz uma catarse na platéia. E catarses sempre representam o risco de que o público, inconscientemente, considere já ter realizado sua parte na transformação proposta por qualquer espetáculo de caráter político – ou seja, o conteúdo crítico se dilui no entretenimento.
O repertório de linguagens escolhido pelos criadores de O guesa errante apóia-se, acima de tudo, em estruturas de paráfrase e paródia. A paráfrase diverte, chega a empolgar o público. Mas pode ser na paródia, que não imita mas cria algo novo a partir de algo conhecido, que mora a poesia. Bom exemplo disso fica na “escola de samba” que o espetáculo coloca em cena. Enquanto ela se parece com uma escola de samba, é fonte de humor, levanta a platéia (como seu modelo levantaria a arquibancada). Mas no final, quando entra o ator vestido de gari, o que encontramos é surpresa, estranhamento, possibilidade de olhar de um jeito completamente novo para algo que pensávamos conhecer.
O guesa errante, ao construir partes de sua paródia sobre a representação de grupos étnicos, culturais ou nacionais, realiza jogo perigoso. Sua platéia “primária”, formada por um público mais intelectualizado, ri porque percebe que o espetáculo critica os estereótipos que apresenta. Como teatro não vem com nota de pé de página, há sempre a possibilidade de que um público mais inocente receba aquilo como um reforço do próprio estereótipo. E ria dele como ri sempre que encontra o estereótipo em sua versão mais preconceituosa – ou seja, O guesa errante, de espetáculo crítico, pode se tornar discurso politicamente incorreto se apresentado sem a devida contextualização.
QUESTÕES PARA UM POSSÍVEL DEBATE SOBRE “O GUESA ERRANTE”
Marcelo Castilho Avellar
O próprio Antônio Hildebrando, responsável pelo espetáculo apresentado pelos alunos da UFMG na noite de ontem, fala de seu interesse em mostrar ao espectador as coxias – que, segundo ele, seriam tão interessantes quanto a própria apresentação. “O guesa” é um daqueles espetáculos que convivem com esta contradição: ficam o tempo todo lembrando o público de sua teatralidade mas têm medo de mostrar o que têm de mais teatral, sua própria mecânica.
No topo da lista das convenções impostas pela tradição que a contemporaneidade não consegue afastar (talvez por nem ao menos percebê-las) está, possivelmente, a apoteose. Podem contar nos dedos a quantos espetáculos de teatro, dança, circo ou ópera que já assistiram e não têm, no final, alguma apoteose, seja a cena grandiosa com todo o elenco, seja a passagem dramática que alcança as alturas do sublime. É raríssimo o espetáculo que, parodiando Conrad, termina com um sussurro, e não uma explosão. O guesa errante não foge à regra. Mas considerando seu conteúdo político, há algo a ser pensado sobre esta apoteose em particular. É que seu tom carnavalesco produz uma catarse na platéia. E catarses sempre representam o risco de que o público, inconscientemente, considere já ter realizado sua parte na transformação proposta por qualquer espetáculo de caráter político – ou seja, o conteúdo crítico se dilui no entretenimento.
O repertório de linguagens escolhido pelos criadores de O guesa errante apóia-se, acima de tudo, em estruturas de paráfrase e paródia. A paráfrase diverte, chega a empolgar o público. Mas pode ser na paródia, que não imita mas cria algo novo a partir de algo conhecido, que mora a poesia. Bom exemplo disso fica na “escola de samba” que o espetáculo coloca em cena. Enquanto ela se parece com uma escola de samba, é fonte de humor, levanta a platéia (como seu modelo levantaria a arquibancada). Mas no final, quando entra o ator vestido de gari, o que encontramos é surpresa, estranhamento, possibilidade de olhar de um jeito completamente novo para algo que pensávamos conhecer.
O guesa errante, ao construir partes de sua paródia sobre a representação de grupos étnicos, culturais ou nacionais, realiza jogo perigoso. Sua platéia “primária”, formada por um público mais intelectualizado, ri porque percebe que o espetáculo critica os estereótipos que apresenta. Como teatro não vem com nota de pé de página, há sempre a possibilidade de que um público mais inocente receba aquilo como um reforço do próprio estereótipo. E ria dele como ri sempre que encontra o estereótipo em sua versão mais preconceituosa – ou seja, O guesa errante, de espetáculo crítico, pode se tornar discurso politicamente incorreto se apresentado sem a devida contextualização.
DIÁRIO DE BORDO - EVENTOS ESPECIAIS FIT-BH/2008
Dia 6, 20 DE JUNHO DE 2008
À GUISA DE INTRODUÇÃO
Marcelo Castilho Avellar
Foi só na véspera do início dos Eventos Especiais do FIT 2008 que encontramos (talvez…) um formato para iniciar a reflexão sobre eles. É que todo dia a gente reclama sobre a distância entre teoria e prática no cotidiano artístico. E o FIT promete ser oportunidade única para verificar a verdade sobre essa distância. Na Oficina da Cena, que começa hoje, por exemplo, encontraremos professores ligados a cursos superiores de artes cênicas e espetáculos apresentados por aprendizes de suas escolas. No Fórum de Teatro Latino-americano, teremos encenadores de diversos países do continente que trouxeram espetáculos a esta edição do festival. No Projeto Encontros, três grupos teatrais apresentam uns aos outros tanto seus processos de criação quanto o resultado dela.
Podemos, então confrontar fala (razão, teoria) e trabalho artístico (percepção, prática). O que o discurso sobre a criação, suas políticas, poéticas e problemas, tem a ver com a própria criação, suas políticas, poéticas etc. Se quisermos, podemos até mesmo estender esse raciocínio rumo ao festival inteiro: qual a relação entre o papo em volta da mesa de cerveja depois do espetáculo com o próprio espetáculo, o que tem uma peça a ver com outra, por que participamos de um monte de estímulos estéticos distintos e identificamos no conjunto deles um festival. O mundo moderno já é demasiadamente cheio de fragmentações e retalhos; não custa investigar se pelo menos os nossos retalhos teatrais não fazem algum (alguns?) sentido (s?)…
OFICINA DA CENA, NOTAS SOBRE ALGUMAS FALAS DE JOHANNES BIRRINGER
“Minha estética não interessa a você, você tem que encontrar a sua própria estética” – Em plena era high tech, é possível perceber que sentimos falta do velho happening, aquele ato performático que andou em moda em meio à era de ouro da arte política no ocidente, entre os anos 1960 e 1970. No happening, a função principal dos que eram supostamente artistas era provocar a criação dos que, também supostamente, não o eram. O engraçado é que Birringer, o tempo todo, dá a entender que sua fase “política” teria ficado no passado – ele acreditava que a arte seria capaz de mudar a realidade e teria caminhado rumo a um “cinismo realista e niilista”.
Também no quesito política, quando fala de suas andanças após a queda do muro de Berlim, Birringer lembra que foi ver como estavam as coisas no Leste – Europa Oriental, China, Cuba. O mapa do cara talvez seja meio esquisito, como lembrou, na hora, o tradutor da palestra, Sérgio Marrara. Mas é hora de começarmos a pensar, pelo menos em termos de arte, no “leste” como referência política ou ideológica. Assim como usamos o “norte” como referência de desenvolvimento capitalista – a Austrália, por exemplo, está inteira no hemisfério sul, mas faz parte do “norte”. Ao longo da história recente das teorias da cultura, as teatrais incluídas, os conceitos de “norte” e “sul” adquiriram significado importante. Em tempos de crise internacional, talvez seja bom voltar a debater os discursos que tratam de leste e oeste, independente de onde Cuba ou os Estados Unidos ficam nos mapas geográficos.
“A tecnologia impõe novas necessidades metodológicas. O ponto de partida da criação multimídia não é um texto ou uma história, como no teatro, nem um movimento, como na dança, mas um conjunto de possibilidades”. É boa transposição para a arte de um dos mais polêmicos conceitos da física quântica, o da nuvem de probabilidades. É possível, também, que seu desenvolvimento nas artes possa ajudar os próprios físicos a solucionar certas questões sobre o assunto que permanecem polêmicas, como a definição do momento em que uma partícula deixaria de existir simultaneamente em diversos estados e assumiria um único. O paradoxo do gato de Schrödinger (físico que expôs algumas das contradições presentes na mecânica quântica) sempre soou, para muita gente, uma construção intelectual mais próxima dos métodos artísticos que da ciência.
À GUISA DE INTRODUÇÃO
Marcelo Castilho Avellar
Foi só na véspera do início dos Eventos Especiais do FIT 2008 que encontramos (talvez…) um formato para iniciar a reflexão sobre eles. É que todo dia a gente reclama sobre a distância entre teoria e prática no cotidiano artístico. E o FIT promete ser oportunidade única para verificar a verdade sobre essa distância. Na Oficina da Cena, que começa hoje, por exemplo, encontraremos professores ligados a cursos superiores de artes cênicas e espetáculos apresentados por aprendizes de suas escolas. No Fórum de Teatro Latino-americano, teremos encenadores de diversos países do continente que trouxeram espetáculos a esta edição do festival. No Projeto Encontros, três grupos teatrais apresentam uns aos outros tanto seus processos de criação quanto o resultado dela.
Podemos, então confrontar fala (razão, teoria) e trabalho artístico (percepção, prática). O que o discurso sobre a criação, suas políticas, poéticas e problemas, tem a ver com a própria criação, suas políticas, poéticas etc. Se quisermos, podemos até mesmo estender esse raciocínio rumo ao festival inteiro: qual a relação entre o papo em volta da mesa de cerveja depois do espetáculo com o próprio espetáculo, o que tem uma peça a ver com outra, por que participamos de um monte de estímulos estéticos distintos e identificamos no conjunto deles um festival. O mundo moderno já é demasiadamente cheio de fragmentações e retalhos; não custa investigar se pelo menos os nossos retalhos teatrais não fazem algum (alguns?) sentido (s?)…
OFICINA DA CENA, NOTAS SOBRE ALGUMAS FALAS DE JOHANNES BIRRINGER
“Minha estética não interessa a você, você tem que encontrar a sua própria estética” – Em plena era high tech, é possível perceber que sentimos falta do velho happening, aquele ato performático que andou em moda em meio à era de ouro da arte política no ocidente, entre os anos 1960 e 1970. No happening, a função principal dos que eram supostamente artistas era provocar a criação dos que, também supostamente, não o eram. O engraçado é que Birringer, o tempo todo, dá a entender que sua fase “política” teria ficado no passado – ele acreditava que a arte seria capaz de mudar a realidade e teria caminhado rumo a um “cinismo realista e niilista”.
Também no quesito política, quando fala de suas andanças após a queda do muro de Berlim, Birringer lembra que foi ver como estavam as coisas no Leste – Europa Oriental, China, Cuba. O mapa do cara talvez seja meio esquisito, como lembrou, na hora, o tradutor da palestra, Sérgio Marrara. Mas é hora de começarmos a pensar, pelo menos em termos de arte, no “leste” como referência política ou ideológica. Assim como usamos o “norte” como referência de desenvolvimento capitalista – a Austrália, por exemplo, está inteira no hemisfério sul, mas faz parte do “norte”. Ao longo da história recente das teorias da cultura, as teatrais incluídas, os conceitos de “norte” e “sul” adquiriram significado importante. Em tempos de crise internacional, talvez seja bom voltar a debater os discursos que tratam de leste e oeste, independente de onde Cuba ou os Estados Unidos ficam nos mapas geográficos.
“A tecnologia impõe novas necessidades metodológicas. O ponto de partida da criação multimídia não é um texto ou uma história, como no teatro, nem um movimento, como na dança, mas um conjunto de possibilidades”. É boa transposição para a arte de um dos mais polêmicos conceitos da física quântica, o da nuvem de probabilidades. É possível, também, que seu desenvolvimento nas artes possa ajudar os próprios físicos a solucionar certas questões sobre o assunto que permanecem polêmicas, como a definição do momento em que uma partícula deixaria de existir simultaneamente em diversos estados e assumiria um único. O paradoxo do gato de Schrödinger (físico que expôs algumas das contradições presentes na mecânica quântica) sempre soou, para muita gente, uma construção intelectual mais próxima dos métodos artísticos que da ciência.
Reflexões sobre Eventos Especiais
O crítico Marcelo Castilho Avellar participa dos Eventos Especiais do FIT-BH/2008 como mediador. Neste blog ele vai publicar um "diário de bordo" - conjunto de anotações sobre o que aconteceu nas atividades - que serve às necessidades da reflexão e busca provocar os participantes - ou mesmo os que não participam diretamente, mas se interessam pelos assuntos aqui expostos - a responderem.
Assinar:
Postagens (Atom)